“FARMS HERE, FOREST THERE” na prática

Convido você a observar o incrível feito do americano David Hula, produtor rural que quebrou o recorde na produção de milho, produzindo no estado da Virgínia (EUA) a incrível marca de 640 sacos por hectare, na safra de 2019. O plantio e a colheita nesse talhão ocorreram de forma controlada, específico para a competição, e certamente obedecendo critérios muito especiais para essa ocasião.


David Hula, um experiente agricultor, que já havia quebrado o recorde da cultura em 2017, possui uma belíssima propriedade e uma excelente estrutura e condições produtivas, que a grande maioria dos agricultores gostariam de ter. Ocorre que David Hula estaria produzindo de maneira totalmente IRREGULAR se estivesse instalado no Brasil. Explico.


Nas imagens da propriedade, à beira de um rio caudaloso, muito belo, por sinal, toda estrutura da fazenda, a sede, os silos e as lavouras em geral, se estendem até o limite do rio. Ou seja, um reconhecido produtor americano, referência e exemplo no mundo pela produtividade alcançada, não está sujeito a uma legislação ambiental extremamente rigorosa, conservacionista e limitante para o produtor como é a legislação brasileira, (no caso  dele, a falta de APP e mata ciliar na encosta do rio). Aqui, seguindo a nossa legislação que é seguramente a mais rigorosa do mundo, ele estaria com sérios problemas ambientais a serem resolvidos.

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FARMS HERE, FOREST THERE


Sob o autoexplicativo título Farms Here, Forests There (Fazendas Aqui, Florestas Lá), foi um estudo patrocinado pela National Farmers Union (Associação Nacional de Fazendeiros), que é atualmente um dos mais ativos e poderosos lobbies na proteção dos interesses da agricultura americana, onde eles defendem que a agricultura deve ser atividade de países ricos, e que elaborou um estudo que apresenta dados sobre a perda de competitividade da agroindústria norte-americana diante dos países tropicais, principalmente o Brasil. A tese principal do estudo é que a única forma de conter essa perda de competitividade é reduzir o aumento da oferta mundial de produtos agropecuários, restringindo a expansão da área agrícola nos países tropicais pela promoção de políticas ambientais internacionais mais duras. O documento traz citações como: “acabar com o desmatamento por meio de incentivos nos Estados Unidos e da ação internacional sobre o clima pode aumentar a renda agrícola americana de US$ 190 bilhões para US$ 270 bilhões entre 2012 e 2030”. Ou seja, o estudo pretende justificar que deveríamos ser a floresta do mundo, e que eles poderiam exaurir suas possibilidades ambientais, tornando-se cada vez maiores produtores sem muita responsabilidade ambiental em seu território, e delegando a nós tal responsabilidade mediante incentivos e contribuições.


Ou seja, na prática somos pressionados internacionalmente por países mais ricos e desenvolvidos e grandes concorrentes e também consumidores das nossas commodities, que financiam sobretudo por ONG’s cujos objetivos não são muito claros e por políticas externas destes mesmos países que não submetem seus produtores a uma legislação tão rigorosa assim como a que exigem do Brasil.

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Aqui não pretendo estimular o desrespeito às normas ambientais brasileiras, tampouco julgar se elas são efetivas na questão de sustentabilidade nos aspectos econômico, social e ambiental, e estou de pleno acordo que a produção agropecuária e a conservação ambiental precisam andar juntas, porém me sinto no dever de alentar de alguma forma os produtores rurais brasileiros que são muitas vezes taxados de não ter boas práticas ambientais, e trazer uma luz para que todos entendam que o nosso Código Ambiental é bastante rigoroso, e por muitas vezes até exigem grandes sacrifícios econômicos e produtivos dos produtores para se manterem na conformidade ambiental.


Somos expoentes na produção de grãos, carnes, fibras e combustíveis renováveis e também somos uma potência ambiental, utilizando menos de 10% do território nacional para a agricultura e mais de 60% do território é de vegetação originária, ou seja, intocada. Aqui, se exige que no mínimo 20% da propriedade rural seja de reserva legal (improdutivo) e esse valor chega a 80% no bioma amazônico.  A título comparativo, Noruega, que é uma ferrenha crítica das nossas políticas ambientais, detêm menos de 10% de sua formação vegetal original.


O fato é que poucos países do mundo conseguem extrair tanto valor agregado da terra, e interferir tão pouco na natureza quanto o Brasil. Utilizando apenas um décimo do território e a agricultura brasileira hoje é provavelmente o maior sucesso jamais registrado na história econômica do país.

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Ou seja, David Hula é um excelente produtor em um país que tem muita força econômica, política e social, além de organizações muito bem estruturadas, e uma legislação ambiental não tão rigorosa como a brasileira. Mas o mesmo David Hula teria que melhorar muito e fazer grandes adequações em sua propriedade se ela fosse submetida ao rigor da lei ambiental brasileira se quisesse ser bom produtor por aqui também.



Por: Eduardo Kern Boesing, Advogado, Sócio-Fundador Kern Boesing e Bombassaro Advocacia e Consultoria Rural e do Agronegócio